28 outubro 2014

Intercambio na Europa: Nem tudo são flores.


A primeira coisa que as pessoas pensam quando você diz que vai fazer intercambio na Europa:
1 - Rica
2 - Vai curtir a vida adoidado
3 - Tá com a vida ganha

Apenas uma informação para vocês: Nenhuma das alternativas acima.
Sim, nós sonhamos muito tempo com um intercâmbio. Entretanto, não significa que na realidade ele seja um sonho. Tudo bem, existe muita gente com um excelente poder aquisitivo (leia-se, gente rica) que vai fazer intercambio sem passar sufoco. Mas não é desses que eu venho falar.
Eu venho contar a história daqueles que, assim como eu, não tem pais ricos ou uma conta gorda no banco.
Eu faço parte daquele grupo cujos pais (ou a pessoa mediante muito trabalho e esforço) teve que fazer "das tripas coração" para conseguir juntar dinheiro para pelo menos te colocar fora do país. Ou seja, para se manter lá fora você precisa trabalhar muito. Isso se você quiser, no mínimo, comer e ter lugar para morar. Muitos até podem me julgar por eu ter 21 anos, morar com a minha família e SÓ estudar (como se fazer graduação em universidade pública + curso de inglês todos os dias fosse fácil). Mas meu caminho sou eu quem trilho e ninguém tem nada a ver com isso. Ponto final.
Há algum tempo senti a necessidade de buscar a minha independência financeira e principalmente emocional. Queria o grande desafio de sair da zona de conforto e me lançar no desconhecido. Porque quando tu estás de fato sozinho  é que tens mais chance de entrar em contato contigo mesmo. É claro que nem todo mundo está disposto a isso. Existem várias saídas independente da distância que você esteja de casa. Muito depende da vontade e isso é uma coisa que eu tenho de sobra.
Vontade de me libertar das amarras que eu mesma e o Outro colocaram em volta de mim. 
Vontade de mergulhar profundamente em meu âmago.
Vontade de ir além do que se vê, se sentir medo e aprender a conviver com ele, de reconhecer minhas fraquezas e aceitar que eu não preciso ser forte o tempo todo, de sentir saudade e aprender que a distancia não é nada para aqueles que verdadeiramente se amam, de desapegar de tudo que é material e que nunca nos pertenceu ou pertencerá, de me conectar com Deus de forma muito mais profunda e intensa - já que Ele é o meu melhor amigo onde quer que eu esteja. Intercambio não é fácil. Requer desprendimento e muita coragem de se jogar no vazio. Você vai para um lugar a milhões de km de distância da sua casa, não conhece nada nem ninguém, onde as pessoas não falam a tua língua materna, onde tu vai ter que matar um dois leões por dia para conseguir uma casa pra morar e um emprego pra se sustentar. Vai ter que morar numa casa com gente que tu não conhece, com a possibilidade de se dar bem ou não, e por aí vai.
Intercambio é incerteza. E como o que normalmente nós desejamos é a estabilidade, sofremos por um bom tempo. Alguns mais, outros menos. Até que você não lute mais contra as sensações que apavoram e deixe-as ir e vir como uma onda no mar.
Eu, com minhas singelas 3 semanas na Irlanda, ainda estou na fase do: fica feliz - fica apavorado, fica feliz - fica apavorado, fica feliz - fica apavorado (Chicó e João Grilo que me entendem). Tudo é muito intenso e existe uma avalanche de sentimentos invadindo a todo momento. É uma verdadeira montanha russa constante. Tem que ter estômago! 
No momento que passa a euforia inicial e você se percebe sem uma casa pra morar é desesperador. Não desejo esse sentimento a ninguém. Mas confesso que isso me fez mais humana, a sentir profundamente muito mais compaixão pelo meu próximo - pensei naquelas pessoas que nunca tiveram um lar aconchegante e chorei copiosamente. Muito mais por elas do que por mim. Quando você percebe que em muito pouco tempo não vai ter dinheiro pra viver (nem morar, nem comer) bate um desespero e você anda zilhões de milhas em busca de trabalho, faça sol ou faça chuva. Aprende a levar não e continuar de cabeça erguida.
Existem também aqueles momentos que a saudade aperta e quase sufoca, que se junta a milhões de outros estímulos externos e te coloca pra baixo. Aí meu amigo, você chora.
Mas mesmo diante de tantas coisas difíceis existem as flores pelo caminho: literalmente e metaforicamente. Dublin é uma cidade cheia de flores por todos os lados, das mais variadas espécies e cores. É um constante deleite para os olhos.
Existem também as grandes amizades que fazemos - as flores metafóricas. Você acaba construindo amigos verdadeiros que em pouco tempo se tornam tua família e estão do teu lado pro que der e vier. Você tem a quem abraçar quando o bicho pegar, tem com quem compartilhar as alegrias e tristezas, com quem fazer um almoço brasileiro num domingo que bater a saudade de casa e ter aquela conversa na mesa da cozinha, depois de um dia cansativo.
No intercambio nem tudo são flores, mas tudo é uma conquista, um aprendizado que se eterniza todos os dias para todo o sempre e que te leva pra mais perto de ti. É também a certeza que nós nunca estaremos desamparados pelo nosso Pai soberanamente justo e bom. É sístole e diástole. É desencontro e (re)encontro. É a transformação da lagarta em borboleta prestes a sair do casulo.

Dublin, 24 de setembro de 2014 (Quase um mês de Irlanda)

Nenhum comentário:

Postar um comentário